CampoConecta SC, da Ideia ao MVP com Design Thinking
O projeto CampoConecta SC foi concebido para enfrentar desafios críticos que impactam diretamente a subsistência e o progresso de agricultores familiares em Santa Catarina. Questões como acesso restrito e assimétrico a informações de mercado, complexidades na gestão da propriedade e a persistente barreira da conectividade em zonas rurais foram identificadas como pontos de dor centrais.
O objetivo estratégico do MVP (Produto Mínimo Viável) foi desenvolver uma solução digital móvel que fosse não apenas intuitiva e robusta, mas que entregasse valor imediato e tangível. A meta era capacitar esses agricultores com ferramentas para otimizar suas operações, tomar decisões mais embasadas e, consequentemente, fomentar um aumento sustentável em sua rentabilidade e na sustentabilidade de suas práticas agrícolas.
O Potencial Transformador do UX na Agricultura
Meu Papel como Product Designer: Orquestrando a Experiência do Usuário no CampoConecta SC
Como Product Designer no projeto CampoConecta SC, minha responsabilidade foi conduzir todo o processo de design centrado no usuário, desde a concepção inicial até a definição da solução MVP. Minha função envolveu não apenas a criação de interfaces, mas a definição da estratégia de produto sob a ótica do UX, assegurando que o CampoConecta SC fosse desejável, viável e útil.
Fui responsável pela realização da pesquisa, planejando e executando a coleta de dados qualitativos e quantitativos para construir um entendimento profundo sobre os agricultores. Isso incluiu a análise de dados secundários, a facilitação na criação de personas detalhadas ("José" e "Maria") e o mapeamento de suas jornadas. O objetivo foi transformar dados brutos em insights acionáveis.
Também planejei e conduzi os testes de usabilidade, utilizando o protótipo de alta fidelidade para coletar feedback direto sobre a eficácia e a intuitividade da solução. Analisei os resultados desses testes para identificar pontos de atrito e oportunidades de melhoria.
A Metodologia Orientadora
Este projeto foi estruturado e guiado pela metodologia do Design Thinking. É fundamental reconhecer a natureza não linear desta metodologia, onde as fases podem ser revisitadas conforme necessário para refinar o entendimento e as soluções.
Em um setor como o agronegócio, que pode envolver altos custos de investimento em tecnologia e enfrentar resistência a práticas tradicionais, a natureza iterativa do Design Thinking e seu foco no feedback precoce do usuário atuam como uma estratégia significativa para mitigar riscos.
Pesquisa e Descoberta: O Agricultor Familiar em Santa Catarina
O primeiro passo do projeto foi a realização de um levantamento inicial. Essas pesquisas forneceram um perfil robusto dos agricultores familiares na região Sul do Brasil, com especificidades para Santa Catarina.
Identificamos que os agricultores de Santa Catarina geralmente operam em propriedades relativamente pequenas,com a média de aproximadamente 19,64 hectares. Há uma dependência significativa da mão de obra familiar, com uma média de 2,71 unidades de trabalho homem (Uth) por estabelecimento em Santa Catarina.
Esse levantamento inicial foi fundamental para direcionar e estruturar o projeto. Após um levantamento detalhado, baseado em dados dos últimos censos, realizados principalmente pelo IBGE e EPAGRI, foi possível estimar a abrangência do público alvo.
Imersão Empática: Desvendando o Universo do Agricultor Catarinense
Com posse dos dados inicias, foi realizada uma imersão etnográfica com agricultores familiares catarinenses para compreender seus desafios, comportamentos e necessidades no desenvolvimento de uma solução digital para o setor. Esta pesquisa revelou insights fundamentais sobre as barreiras e oportunidades existentes na adoção de tecnologias digitais no contexto rural.
Análise de Dados Secundários: Investigação de estudos socioeconômicos e relatórios sobre a agricultura familiar em Santa Catarina (focando em escolaridade, tamanho médio de propriedade, principais culturas, renda, acesso e uso de tecnologias).
Métodos Utilizados:
Desenvolvimento de Personas: Criação de arquétipos detalhados, como "Ricardo" (agricultor experiente, focado na comercialização de safras tradicionais e com receio de tecnologias complexas) e "Mariana" (mais jovem, engajada na gestão, interessada em práticas sustentáveis e mais aberta à tecnologia), para humanizar os dados e guiar as decisões de design.
Mapeamento de Jornada do Usuário: Delineamento das jornadas atuais para tarefas chave (ex: "Planejamento e Venda da Safra", "Busca por Informação Técnica"), identificando pontos de atrito, frustrações e oportunidades de melhoria.
Principais Descobertas:
A pesquisa identificou que os agricultores familiares de Santa Catarina enfrentam uma combinação complexa de desafios operacionais, tecnológicos e comerciais que impactam diretamente sua competitividade e sustentabilidade. Operacionalmente, caracterizam-se por uma gestão informal baseada na intuição, limitações de escala devido ao tamanho reduzido das propriedades, crise sucessória agravada pelo êxodo rural jovem, e carência de conhecimento em gestão de negócios.
No aspecto tecnológico, existe um paradoxo relevante: embora 50% dos agricultores utilizem internet e vejam a tecnologia positivamente, a conectividade precária e a "carga de trabalho invisível" para aprender novas ferramentas criam uma desconexão entre valor percebido e uso prático.
Comercialmente, demonstram tendência a produzir baseado no conhecimento existente em vez da demanda de mercado, enfrentam volatilidade constante de preços, carecem de organização coletiva para negociação, e vivenciam uma tensão entre o desejo de melhor engajamento comercial e o receio das complexidades e riscos do mercado. Entre os principais desafios podemos destacar:
Desafios Atuais na Agricultura Familiar
Incerteza de Preços: Muitos produtores perdem renda por falta de acesso a informações de mercado claras. A variação de preços dificulta o planejamento financeiro.
Dificuldade de Escoamento: O acesso limitado a canais de distribuição impede que a produção chegue aos consumidores eficientemente, gerando perdas e desperdício.
Isolamento Digital: A falta de conexão ou internet instável no campo exclui agricultores do mundo digital, limitando o acesso a dados cruciais e oportunidades.
Oportunidades Identificadas:
Apesar dos desafios, a pesquisa revelou uma abertura significativa à inovação, com interesse crescente em novas tecnologias e práticas sustentáveis. Existe um potencial reconhecido para que mídias sociais e aplicativos aproximem produtores e consumidores, criando canais de comercialização mais diretos. Particularmente relevante é a constatação de que os agricultores frequentemente enfrentam os desafios da adoção digital de forma isolada, indicando uma demanda por soluções que promovam comunidade e aprendizado compartilhado.
Implicações para o Design de Produto: As descobertas da pesquisa apontam para a necessidade de soluções que priorizem funcionalidade offline devido à conectividade limitada, interfaces intuitivas e benefícios imediatos que justifiquem a curva de aprendizado. Essas diretrizes informaram diretamente as decisões de design e funcionalidades propostas para a solução digital desenvolvida.
Definição do MVP: Foco no Essencial para Impacto Imediato
Com um entendimento mais robusto do usuário e seu contexto, a fase de definição concentrou-se em traduzir os insights da pesquisa em um escopo de MVP claro e acionável.
Métodos Utilizados:
Declarações de Problema (Point of View - POV): Articulação precisa das necessidades centrais dos usuários e os insights que as suportam (ex: "José precisa de uma forma simples e confiável de acessar preços de mercado e compradores, pois a falta de transparência atual limita sua renda").
Perguntas "Como Poderíamos" (How Might We - HMW): Geração de questões instigantes para abrir o leque de soluções possíveis (ex: "Como poderíamos fornecer informações de mercado de forma compreensível mesmo com baixa conectividade?").
Priorização de Funcionalidades: Utilização de uma matriz de Impacto (para o usuário) vs. Esforço (de desenvolvimento) para selecionar as funcionalidades que comporiam o MVP, garantindo a entrega de valor essencial desde o primeiro momento
As decisões estratégicas para o escopo do Produto Mínimo Viável (MVP) focam em três pilares centrais: a criação de um hub de mercado localizado para solucionar dores de comercialização e acesso a informações de preço; a implementação de um registro agrícola simplificado que facilite a gestão básica da propriedade com ênfase na usabilidade e entrada de dados intuitiva; e o desenvolvimento de uma capacidade offline robusta com sincronização inteligente, assegurando a funcionalidade da ferramenta em campo, mesmo com conexões de internet instáveis ou inexistentes.
Testes de Usabilidade: Validando a Solução
Os testes de usabilidade foram cruciais para validar a solução diretamente com os agricultores familiares catarinenses, utilizando um protótipo de alta fidelidade. O objetivo principal foi observar a interação dos usuários com o design, aprender com suas experiências e iterar sobre a proposta para refinar a usabilidade do produto.
Para conduzir os testes, foram empregados métodos como sessões de usabilidade moderadas, realizadas individualmente com agricultores que se alinhavam às personas definidas, em seus próprios ambientes que simulavam o contexto real de uso. Os participantes foram encorajados a verbalizar seus pensamentos e dificuldades através do protocolo "Think-Aloud" enquanto executavam cenários de tarefas realistas, como registrar uma colheita ou consultar preços. A coleta de dados incluiu métricas como taxa de sucesso na conclusão das tarefas, tempo gasto, número de erros e satisfação subjetiva.
Com base no feedback coletado, diversas decisões de iteração foram tomadas para aprimorar a experiência do usuário. Formulários considerados confusos ou extensos foram simplificados, menus e elementos de navegação foram reorganizados para facilitar a descoberta de funcionalidades, a terminologia e as instruções foram ajustadas para maior clareza, e o feedback visual do processo de sincronização de dados offline foi melhorado.
Os principais aprendizados confirmaram a receptividade positiva da abordagem de design simples e direta. Foram identificados pontos de atrito específicos na experiência do usuário que não eram evidentes internamente, mas que tinham impacto significativo.
Decisões de Design Chave: Após a etapa de ideação e prototipagem, foi possível definir fluxos e características base do MVP, priorizando uma abordagem mobile-first devido à penetração de smartphones e à natureza do trabalho em campo. A interface do usuário foi centrada na simplicidade, adotando botões grandes e claros, linguagem direta sem jargões técnicos, iconografia universalmente compreensível e feedback visual imediato para cada ação.
Os fluxos de tarefa foram otimizados para minimizar o número de passos necessários para completar atividades essenciais, reduzindo a carga cognitiva e o tempo de interação, enquanto o design foi explicitamente pensado para funcionamento offline, com telas e mensagens claras indicando o status da conectividade e o enfileiramento de dados para sincronização posterior.
Lançando o MVP e Traçando o Futuro para o CampoConecta SC
Programa Piloto Focado: Iniciar com um grupo pequeno e controlado de agricultores familiares de Santa Catarina que se encaixem nas personas desenvolvidas. Isso permite um acompanhamento próximo e a coleta de feedback detalhado. Considerar um público “Early adopters” de 5-10% do público total estimado.
Parcerias Estratégicas: Colaborar com organizações agrícolas locais, como cooperativas, associações de produtores ou a própria Epagri. Essas parcerias podem ser cruciais para o recrutamento de participantes para o piloto, para a divulgação da ferramenta e para construir credibilidade junto à comunidade agrícola. O CEPAGRO, com sua experiência em plataformas como o LiteFarm, também poderia ser um parceiro valioso.
Plano de Coleta de Feedback Contínuo: Estabelecer canais claros para que os usuários do piloto possam reportar problemas, sugerir melhorias e compartilhar suas experiências. Isso pode incluir formulários no aplicativo, grupos de WhatsApp dedicados ou visitas periódicas.
Suporte Técnico Acessível: Oferecer suporte técnico responsivo e em linguagem acessível para auxiliar os agricultores durante a fase inicial de adoção, especialmente aqueles com menor familiaridade tecnológica.
O lançamento do MVP não é o fim do processo de design, mas o começo de uma nova fase de aprendizado e iteração no mundo real. Algumas considerações importantes para o lançamento do piloto:
Principais Aprendizados:
Os principais aprendizados do projeto convergiram para a necessidade crítica de um design profundamente empático e contextualizado. Descobrimos que, para além da funcionalidade, construir confiança através de feedback claro e garantir que a ferramenta seja uma aliada, não um fardo, são fatores decisivos.
Atingir o público agricultor também provou-se um desafio. Houve uma taxa de recusa inicial de aproximadamente 60%. Alguns agricultores contatados expressaram desconfiança ou simplesmente afirmaram não ter tempo para "ficar uma hora no computador". O agendamento precisou ser flexível, ocorrendo frequentemente no início da manhã ou no final da tarde.
Alguns participantes que aceitaram participar, já possuíam um nível de conforto com tecnologia ligeiramente superior à média do seu segmento, o que pode ter mascarado problemas de usabilidade que afetariam usuários ainda menos digitalizados. Provavelmente um processo de triagem mais criterioso e a realização de novas rodadas de testes nos dariam resultados mais fidedignos do público alvo.
O desenvolvimento do projeto também evidenciou a importância crítica de resistir à tentação do "feature creep" (acúmulo excessivo de funcionalidades) e manter um foco nas dores mais essenciais para o MVP, enquanto a definição clara do problema e do público-alvo se mostrou fundamental tanto para alinhar a equipe internamente quanto para justificar as escolhas de escopo junto aos stakeholders do projeto.
mvp em desenvolvimento
